Este formato de conto de histórias é uma metáfora para um modelo relacional arquetípico que a humanidade conhece bem: o agressor (o vilão) e a vítima (a donzela)*. A nossa constituição humana faz com que esta dinâmica nos seja muito familiar: este tipo de história despoleta facilmente o nosso sentido de compaixão pela vítima e desagrado pelo agressor. Todos conhecemos histórias de agressor e vítima e também já vivemos histórias de agressor e vítima – se formos honestos, conseguimos também reconhecer que, num momento ou noutro, já assumimos ambos os papeis.
O vilão usa o seu poder sem considerar os direitos e o bem-estar daqueles que o rodeiam. A donzela desempoderada nada faz na história além de ficar à espera de ser salva, altura em que se converte em prémio do príncipe**. Ambos fazem uma má utilização do seu poder pessoal e é por isso que eu não gosto de nenhum deles. Uma boa resolução para a história seria o vilão aprender a respeitar os outros e a donzela aprender a defender-se – todos concordamos, certo?
|
Está na hora de ligar a banda sonora aqui ao lado, para quem quiser aumentar o tom épico do artigo, em registo de conto de fadas
|

Então o que é o príncipe fez de errado, estarei eu a ouvir-vos pensar? A dinâmica da vítima-agressor só existe se ambos as personagens assumirem o seu papel – não existe quando o potencial agressor se recusa a agredir, nem quando a potencial vítima se consegue defender. Contudo a vítima também consegue existir na dinâmica com outra personagem: o salvador. Quando uma personagem assume a posição de salvador, “eu vou salvar-te do vilão, e proteger-te para que nada de mal te aconteça, não te preocupes, vou fazer com que fique tudo bem”, está implicitamente também a dizer “tu não és capaz de te defender do vilão, tu não és capaz de te proteger, não vale a pena sequer tentares pensar mais no assunto, porque tu precisas de mim para ficar tudo bem”. E assim a donzela acredita nisto e fica à espera. O príncipe é o pior deles todos. Enquanto que o vilão actua para desempoderar a donzela de forma descarada, o príncipe fá-lo de forma disfarçada, sob uma capa de bondade, e todos nós caímos na esparrela. A maioria das vezes o próprio príncipe cai na sua esparrela com a melhor das intenções e convence-se que está a ajudar – o príncipe é alguém que precisa de donzelas por salvar para ter um sentido de valor pessoal. Ele também não sabe como utilizar o seu poder pessoal. Um bom desfecho para o príncipe seria ele descobrir qual o contributo que ele tem para oferecer ao mundo, para que possa empoderar outras pessoas também.
Uma última dimensão tirânica destas personagens, e da forma como são tradicionalmente apresentadas, são as suas características inatas (a inteligência e nobreza excepcional do principe, a beleza da donzela, a perfidez do vilão), passando subrecticiamente a mensagem de que a capacidade para fazer algo é resultado de um talento ou dom que nasceu connosco, em vez de ser o resultado de trabalho e esforço***.
A propósito do dia-dos-namorados, ocorreu-me pedir emprestada esta metáfora, não para boicotar a data, mas para oferecer o meu contributo para o Amor! Mas é muito muito importante termos presente que estas dinâmicas se fazem sentir não só nas relações amorosas, como também podem estar presentes em todas as outras relações, ou mesmo na forma como nos relacionamos com a vida de um modo geral!
Assim, finalmente, deixo-te com a seguinte pergunta: quem estás tu a ser na tua história? Um vilão que precisa aprender a respeitar os outros? Uma donzela que precisa aprender a defender-se? Ou um príncipe que precisa encontrar outra forma de se valorizar?
Instruções finais na voz de uma grande senhora:
Abaixo os vilões, as donzelas e os príncipes!
Votos de muita lucidez e sabedoria na tua expressão de poder pessoal!
Tua Coach,
Mina
* Para quem tiver curiosidade para explorar mais, estes conceitos (o triângulo do drama do agressor, salvador e vítima) foram propostos no modelo de interação humana Stephen Karpman, um teórico da Análise Transacional – a versão “conto-de-fadas” é uma apropriação literário-criativa da minha parte!
** Agrada-me ver que na cultura popular começam a surgir outras representações de heroísmo e valor, e que as figuras tipicamente vitimizadas (habitualmente as donzelas) começam a aparecer empoderadas (os filmes de animação Frozen, cuja banda sonora está no vídeo em cima, ou o Brave, são bons exemplos disto).
*** Mais sobre a questão da nossa capacidade de 'fazer coisas' resultar de talento ou de esforço aqui.