"- Qual é o tema?”
“- Procrastinação!”
“- Ah Ah Ah!! Essa é a maneira perfeita de começar o artigo, podes dizer que tens experiência pessoal no assunto!”
A minha amiga tem um sentido literário irrepreensível, por isso obedeci. Por outras palavras, hoje quero falar-vos do monstro que atormenta uma grande parte dos meus clientes e que dá pelo nome de 'Procrastinação'. As nossas armas hoje vão ser a ciência, a minha experiência com os meus clientes claro, e a minha experiência pessoal.
Historicamente, segundo Steel*, a procrastinação terá existido desde sempre. Mas até à revolução industrial não era necessariamente um problema, pelo contrário, nalgumas situações era até vista como uma atitude de sábia inação. Mas os avanços tecnológicos da sociedade acarretaram uma nova relação com o conceito de compromissos e prazos, o que terá transformado a atitude cultural perante este fenómeno. Hoje em dia, a procrastinação afecta 80-95% dos estudantes de ensino superior e 15-20% da população adulta em geral. E parece estar a crescer*.
Neste primeiro artigo da série sobre produtividade que estou a escrever, quero falar-vos das estratégias que podemos pôr em prática para combater o monstro da procrastinação – felizmente a ciência tem reunido vários contributos concretos sobre este assunto. Sugiro-te que penses num exemplo prático da tua vida para poderes ir visualizando como pô-los em prática: aquela coisa (ou uma delas) que está na tua lista mental há meses, ou anos. Pode ser um projecto de trabalho, uma tarefa importante a realizar em casa ou aquele hobbie ou projecto profissional alternativo que queres explorar – em rigor, qualquer coisa pode ser 'procrastinável'. Por isso, para aumentar o rigor do artigo e ajudar-te a reportares-te à tua situação específica, vou designar o nosso objecto de procrastinação de 'coisa'.
Vivemos no aqui e agora, mas queremos muitas coisas que estão longe e depois, contudo não fomos biologiamente desenhados para nos preocuparmos muito com o futuro. Na raíz do fenómeno da procrastinação está a nossa predilecção inata pelas recompensas a curto prazo em detrimento das gratificações a longo prazo – esta formatação biológica depende do nosso sistema de dopamina e vem do tempo em que a nossa sobrevivência dependia de apreciarmos a satisfação imediata de saciarmos a fome com as frutas da árvore que encontrámos ou sobrevivermos ao ataque de um tigre esfomeado. Contudo, vários milhares de anos depois da idade das cavernas, já nos dava jeito preocuparmo-nos mais com as necessidades do nosso eu-futuro, e não apenas as do nosso eu-presente. Daniel Goldstein fez uma palestra engraçada sobre o assunto – o nosso eu-presente versus o nosso eu-futuro – que podes ver ao lado se tiveres curiosidade sobre o assunto (legendas em Português).
Sabendo tudo isto, podemos usar uns truques para ludibriar o nosso sistema de dopamina e pô-lo a trabalhar a nosso favor no sentido de fazermos coisas que serão mais importantes para nós a longo prazo. Assim sendo, sem mais demoras e oferecendo como ilustração a minha experiência pessoal, as melhores dicas da ciência são:
- Imagina o que vais ganhar quando completares a tua 'coisa'. Assim mobilizas o teu sistema de dopamina para te ajudar a fazer tarefas que podem ser chatas no agora. Lembra-te das vantagens de cumprir a tua 'coisa', o que isso vai trazer à tua vida, a tua satisfação pessoal quando isso acontecer. Por exemplo: "Mina, tens tanta gente a queixar-se de procrastinação, já sabes que vais ajudar muita gente quando organizares o teu conhecimento sobre o assunto no artigo, e depois ainda recebes aqueles feed-backs e agradecimentos que são tão encorajadores!!"
- Planeia recompensas para as etapas intermédias. Esta é uma maneira muito eficaz de trocares as voltas à nossa preferência biológica pela gratificação imediata. Eu habitualmente planeio um miminho ao fim de cada trecho de 90 minutos de trabalho: uma TED (já perceberam que adoro TEDs?!), ou uma pausa para dançar uma música alegre (com a vantagem adicional de activar o corpo e me re-energizar antes de voltar ao trabalho). Em baixo deixo-vos também exemplo curto e eloquente da vida pessoal de um investigador mediático, autor de um dos estudos que menciono neste artigo (em inglês, sem legendas):
- Dá um pequeno passo pequenino e fácil de realizar. É mais fácil relacionarmo-nos com uma tarefa pequena e concretizável do que com uma 'coisa' enorme e cheia de significados associados. Para mim pessoalmente esta é a estratégia mais eficaz para romper qualquer procrastinação. Quando se trata de um artigo que custa a sair, ajuda-me começar por escolher as imagens entre as minhas fotografias e compô-las no photoshop, uma tarefa que faço de olhos fechados, apela ao meu lado artístico e infalivelmente me deixa feliz!
- Olha para as desvantagens de continuares a não fazer nada. Quais são os problemas que estás a criar para ti por adiares a tua 'coisa'? O que estás a perder por ainda não teres avançado? A aversão à perda é outro fenómeno que nos foi cravado ao longo da evolução e que nos incentiva biologicamente a fazer qualquer coisa para evitar perder coisas. "Mina, enquanto não te sentares a escrever o artigo vais estar com isso a consumir-te espaço mental! Mais, cada vez que alguém te pede ajuda sobre procrastinação tens de estar a explicar tudo e perder tempo a juntar recursos, quando podias ter o artigo com a papinha toda feita e pronta a enviar em SOS!"
- Pergunta-te porquê ainda não fizeste a tua 'coisa'. Neste etapa vale a pena explorar cinco porquês em sequência, para tentar chegar à raíz da questão. "Mina, porque é que ainda não escreveste o artigo? Ainda não escrevi porque tenho imenso material e recursos sobre este tema, por isso vai dar imenso trabalho. Se já tens imensos recursos, porque é que vai dar imenso trabalho? Porque eu vou querer certificar-me que incluo todos os tópicos muito importantes e que escrutino bem as estratégias que não passaram o crivo científico, para que o artigo seja mesmo sólido. E porque é que este artigo tem de ser MESMO sólido? Porque sou uma perfeccionista e gosto de fazer as coisas bem e incluir TUDO o que já sei que existe. E porque é que és uma perfeccionista e tens que incluir TUDO?..." Estão a ver onde quero chegar? Esta exploração permite trazer à consciência os circuitos mentais que estão a funcionar como obstáculo à tarefa, dando-nos mais liberdade para agir sobre eles. Depois de perceber o que se passa, posso dizer-me: “É melhor feito que perfeito! Já sabes que certo tipo de perfeccionismo é tóxico, vamos pôr mãos à obra!” (tanto sei, que já escrevi sobre o assunto, sobre os vários tipos de perfeccionismo aqui e sobre como ultrapassa-lo aqui).
Mas na realidade há muitas estratégias que podem ser utilizadas, se procurares na net encontrarás uma imensidão, umas mais eficazes, outras menos ou até contraproducentes. O que eu vejo acontecer repetidamente com os meus clientes é que, à medida que experimentamos várias estratégias e as vamos adaptando às suas necessidades e resultados, há sempre uma delas que se destaca e produz resultados extraordinários – por isso aconselho-te que experimentes várias possibilidades, com uma atitude de curiosidade de quem está a aprender a conhecer-se e navegar-se, até perceberes quais funcionam melhor para ti. Deixo-te em baixo mais algumas possibilidades daquelas que me parecem sensatas:
- Divide a tua 'coisa' em tarefas pequenas de 10 a 15 minutos.
- Começa pela tarefa que te atrai mais.
- Faz uma análise honesta do que te distrai (facebook, mail, telemovel?) e coloca-te longe dessas coisas. Melhor, retira as tentações do caminho para não esgotares a tua força de vontade desnecessariamente (por exemplo, entrega a alguém o teu telemóvel, muda a password dos sites que te distraiem para algo difícil de decorar e guarda o papel num lugar de acesso trabalhoso, etc).
- O Robin Sharma propõe um treino radical de força de vontade a que chama 'dieta de proscrastinação', que consiste em, todos os dias durante 30 dias, fazer qualquer coisa que temos estado a adiar, para desenvolver o 'músculo' de contrariar a procrastinação.
Ariely e Wertenbroch** concluem que, no que toca ao estabelecimento de objectivos e prazos no contexto das 'coisas' que procrastinamos, as pessoas tendem a defini-los mal. Para prevenir esse problema, dá uma vista de olhos ao meu artigo sobre objectivos que publiquei a propósito das resoluções de ano novo aqui.
Os mais recentes estudos*** apontam para uma ligação entre a procrastinação e a impulsividade, parecendo haver um peso genético na determinação destas duas características, o que explicará porque é que algumas pessoas sofrem mais com a procrastinação do que outras. Mas não uses isto como desculpa para te renderes à procrastinação! A investigação**** diz que parece haver um círculo virtuoso de auto-eficácia e um círculo vicioso de procrastinação, e é isso que eu ajudo os meus clientes a fazer, passar dos ciclos viciosos para os virtuosos. Vejo todos os dias que é possível, não desistas! Também podes experimentar um processo de coaching para agilizar o processo, porque não? (podes marcar uma sessão gratuita aqui).
* Steel, P. (2007). The nature of procrastination. Psychological Bulletin, 133 (1), 65-94
** Ariely, D; Wertenbroch, K. (2002). Procrastination, Deadlines, And Performance: Self-Control by Precommitment. Psychological Science VOL. 13, NO. 3, MAY 2002
*** Gustavson, D. E., Miyake, A., Hewitt, J. K., & Friedman, N. P. (2014). Genetic Relations Among Procrastination, Impulsivity, and Goal-Management Ability: Implications for the Evolutionary Origin of Procrastination. Psychological Science, 25(6), 1178–1188.
**** Wäschle, K. et al. (2014). Procrastination and self-efficacy: Tracing vicious and virtuous circles in self-regulated learning. Learning and Instruction 29 (2014) 103 - 114